“Nobody Loves You More” é um disco eclético, rápido, certeiro e mostra a genialidade da compositora Kim Deal.
Kim Deal lançou, no final de 2024, o álbum “Nobody Loves You More”, seu primeiro disco literalmente solo — pelo menos sob a alcunha de seu nome. Neste trabalho, ela mostra como enxerga a música e como precisa de liberdade para colocar para fora, sem amarras, toda a sua intimidade aliada à sua maneira de enxergar sua arte.
Julgamos pensar que seu nome dispensa apresentações, mas é sempre bom lembrar que Kim Deal fez parte de uma das bandas mais importantes do rock mundial, o sui generis Pixies, e que, na sequência, criou outra banda não menos relevante, os Breeders, ao lado de sua irmã gêmea, Kelley Deal. Em ambas as bandas, Kim sempre foi o ponto de estranheza, particularidade e referência nas composições peculiares.
Tanto os Pixies quanto os Breeders são bandas referenciais para uma infinidade de artistas e fãs do chamado rock alternativo. Kurt Cobain bebeu da fórmula “pixiana” e, depois, babava pelos Breeders, chegando a convidá-los para abrir seus shows pela Europa.
Essas referências e explicações têm muito a ver com o primeiro disco solo de Kim. Ela sempre demonstrou claramente o quanto e como queria que sua música soasse, fruto de uma infinidade de influências que acumulou ao longo do tempo.
Amiga de Robert Pollard, do Guided By Voices, referência do lo-fi americano, Kim apresenta neste novo trabalho um misto de simplicidade e complexidade, digno das composições de Pollard, sem deixar de lado a objetividade: 11 músicas em 35 minutos bem delineados.
Tem surf music e bossa nova, como na época em que ela imputava esses elementos aos Pixies? Tem sim. Tem música barroca, country americano e folk? Tem também. Tem algo mais contemporâneo? Claro. Aliás, Kim é símbolo de contemporaneidade, até mesmo sem querer ser. Há até bases eletrônicas, sem soar piegas e na medida certa. Tudo isso está presente no disco.
“Nobody Loves You More” carrega uma melancolia orquestrada e um naipe de metais digno das misturas brasileiras dos anos 70. Não dá para dizer se Kim se inspirou nos Mutantes ou nos grandes musicais americanos, mas a faixa de abertura traz uma mistura de arranjos de Rogério Duprat com Beatles e Beach Boys.
“Coast” é outra referência clara à cabeça viajandona de Brian Wilson. Uma ode ao líder dos Beach Boys e seu modo de compor músicas e letras simples, mas com uma genialidade pop. “Claramente, toda a minha vida fui tola. Tentei bater forte, mas estraguei tudo. É humano querer uma saída. É humano querer vencer”, canta Kim em “Coast”.
“Crystal Breath” é Kim sendo contemporânea. Bases eletrônicas, psicodelia, rap, indie rock, experimentalismo — tudo embalado e misturado em uma das melhores faixas do álbum. É a batida nos guiando, como diz parte da letra.
“Are You Mine?” é outra referência ao surf music, com direito a solo de slide guitar e arranjos orquestrados. Vale destacar que o disco traz vários arranjos de cordas e metais, capitaneados por Paul Mertens, membro do coletivo Poi Dog Pondering, formado no Havaí, com músicos de Chicago e Texas, que misturam diversos gêneros musicais com influências acústicas e eletrônicas.
A faixa mais rock e “guideana” do álbum é “Disobedience”. Com todas as forças, é uma música que Robert Pollard comporia facilmente para o Guided By Voices.
Outras faixas de rock permeiam o disco e são maravilhosamente belas e diretas, como “Come Running” e “A Good Time Pushed” — esta, uma das últimas músicas gravadas por Steve Albini antes de seu falecimento, o que abalou a todos, incluindo Kim, sua amiga próxima desde os tempos de Pixies e Breeders.
O álbum é bem distribuído e recheado de ótimas composições. “Wish I Was”, “Bats in the Afternoon Sky” e “Summerland” carregam o padrão Kim Deal de estranheza e maestria.
Deixei “Big Ben Beat” por último porque ela condensa todo o álbum. Quer saber como é o disco? Como Kim é eclética? Como ela pensa a música? Está tudo ali em “Big Ben Beat”, com guitarras melódicas e barulhentas, baixo distorcido por Ayse Hassan (dos Savages), bateria marcante e o vocal único da cantora, regado a anos de álcool e cigarro, mas que não a fez perder seu jeito indefectível de cantar.

Kim teve todas as ideias e chamou um time de mais de 20 músicos para embarcar nesse belo trabalho. Além dos já citados, participam sua irmã Kelly e membros dos Breeders em algumas faixas, assim como Jack Lawrence (The Raconteurs), Josh Klinghoffer (ex-Red Hot Chili Peppers), Britt Walford (Slint), Fay Milton (Savages) e Raymond McGinley (Teenage Fanclub), entre outros.
Com várias faixas gravadas em diferentes estúdios, mas com base no Electrical Audio de Albini — que gravou quase todas as músicas —, fica evidente sua marca nos timbres dos instrumentos, principalmente baixo e bateria. Kim produziu e gerenciou todo o processo.
Um disco confessional, pensado e arquitetado ao longo de uma década, desde sua saída dos Pixies, passando pela doença e morte de sua mãe e pela pandemia, resultando em uma bela obra de arte em formato musical. Kim é rica em referências e precisa ser livre para fazer o que quer, na hora que quiser.
Ficha Técnica:
Álbum – Nobody Loves You More
Released – November 22, 2024
Label – 4AD
Musicians
Kim Deal – lead vocals, bass guitar, drums, guitar, keyboards, ukulele
Paul Mertens – horn arrangement, horn orchestration (tracks 1, 9); wind arrangement, flute, clarinet (4); string co-arrangement, French horn (9); saxophone (1)
Susan Voelz – string arrangement (tracks 1, 4), violin (1, 4, 9), string co-arrangement (9)
Jack Lawrence – bass guitar (tracks 1, 9)
Britt Walford – drums (tracks 1, 9)
Michael Mavridoglou – trumpet (track 1)
Kelley Deal – guitar (tracks 2, 5, 6), bass pedals (3), backing vocals (11)
Mando Lopez – bass guitar (tracks 2, 4, 6)
Lindsay Glover – drums (tracks 2, 4)
Chris Dixon – trombone (track 2)
Jim McBride – trumpet (track 2)
Dave Easley – pedal steel (track 4)
Jim Macpherson – drums (tracks 5, 11)
Josh Klinghoffer – additional guitar (track 6)
Mike Montgomery – backing vocals (track 6)
Fay Milton – drum programming, strings, synthesizers (track 7)
Ayse Hassan – bass guitar (track 7)
Alison Chesley – cello (track 9)
Patrick Holmes – guitar (track 11)
Raymond McGinley – guitar (track 11)
Technical
Kim Deal – production, recording
Marta Salogni – mixing
Heba Kadry – mastering
Ben Mumphrey – engineering, production assistance
Steve Albini – recording (tracks 1, 2, 4–6, 9–11)
Mike Montgomery – recording (tracks 1, 4, 6, 9)
Manny Nieto – recording (track 6)
Patrick Himes – recording (track 11)
Kyle Rector – production assistance
Jon San Paolo – engineering assistance (tracks 2, 4–6, 9–11)
Taylor Hales – engineering assistance (track 5)
Chris Witt – engineering assistance (track 5)
Visuals
Alex Da Corte – creative direction
Jake Wheeler – fabrication
Chloe Kucirka – costume
Matt Alie – set
Lanie Belmont – set
Matt Bogacki – set
Cy Gavin – set
Alec McGovern – set
Alicia Rinier – set
Rachel Brennecke – still photography
Clint Hild – retouching
Elliott Sellers – visual effects supervision
Erik Ferguson – CGI art
Harvey Benschoter – additional CGI art