Sleater-Kinney é uma banda dos anos 90, da mesma terra de Kurt Cobain, que confesso ter deixado passar sem dar atenção. Mas no décimo primeiro disco, fui arrebatado por um trabalho curto, grandioso e pesado. “Little Rope”, lançado em 19 de janeiro, está em alta no meu agregador de áudio.
Para se ter uma ideia, os contatos que tive com o som do Sleater-Kinney foram por meio de coletâneas de fanzines com bandas como Bikini Kill, Bratmobile, Hole, PJ Harvey, e, no Brasil, bandas como Dominatrix e Pólux.
O início como um power trio feminino, originado da terra do Bikini Kill – importante banda da cena -, e com ideais feministas e progressistas, logo as rotularam como mais uma banda do movimento riot grrrl. Faz sentido até certo ponto, mas o Sleater foi além da militância – que é importante – para explorar letras com outras temáticas e harmonias instrumentais mais complexas.

Até 2005, a banda lançou trabalhos de dois em dois anos, mantendo a qualidade, as contestações progressistas e turnês constantes. Tornaram-se influências para outras bandas e artistas, como Spoon, Beth Ditto, My Chemical Romance, St Vincent e tantos outros. Em 2006, o estresse aliado a outras vontades levou a banda a se separar.
Corin Tucker (vocal e guitarra) foi ter uma vida familiar, Carrie Brownstein (guitarra e vocal) entrou mais na carreira de atriz e Janet Weiss (baterista) seguiu fazendo parte de outras bandas, inclusive na banda solo do vocalista do Pavement, Stephen Malkmus. Em 2014, de volta com a formação original e após dois novos discos, Janet foi informada de que seria apenas baterista e não estaria envolvida na criação, decidindo assim deixar a banda. O que antes era um power trio transformou-se em um duo.
Little Rope é um disco sobre dor e novas descobertas
A escolha do produtor John Congleton, responsável por discos de artistas das mais variadas vertentes musicais, tinha como objetivo explorar novos caminhos sonoros para o Sleater-Kinney, adicionando instrumentos que até então estavam distantes ou tímidos em trabalhos anteriores, como teclados e sintetizadores.
Se a ideia principal era falar de temas universais como a crise global, no meio deste caminho, uma tragédia mudou o tom das composições. Carrie recebeu um telefonema com a notícia de que sua mãe e padrasto sofreram um acidente fatal durante uma viagem de férias na Itália.
Devastada, Carrie transbordou a dor e o luto nas composições, meio como um processo de terapia, e despejou como se estivesse em um divã todas as questões e angústias guardadas e que não foram ditas para sua mãe ou para outra pessoa disponível a escutá-la.
A voz de Corin, aliada às melodias de guitarras da dupla, contrastam perfeitamente com o poder melancólico dos sintetizadores. O sofrimento e o processo de encontrar caminhos e respostas estão explícitos nas letras e nas melodias das músicas. “Say It Like You Mean It”, uma das melhores músicas do disco, diz:
“Eu preciso ouvir isso antes de você ir, Diga como se você quisesse dizer isso, Esse adeus dói quando você vai, Vá suavemente comigo, meu coração está cru…”
Trecho de “Say It LIke You Mean It”
A faixa inicial, “Hell”, é a síntese do disco e reflete o peso metafórico citado no começo do texto. Uma música curta, com todas as camadas e instrumentos que o disco possui, e com a tônica lírica que permeia as outras canções.
“ O inferno não tem preocupações, O inferno não tem passado, O inferno é apenas uma placa de sinalização, Quando você segue um determinado caminho…”
Trecho de “Hell”
A última faixa, “Untidy Creature”, é a perfeição em melodia, composição e execução. Música com uma pegada pop, toques depressivos, feita para ser trilha de um filme. O jeito que Corin canta arrepia e transmite o que sua amiga e parceira Carrie sentiu durante esta jornada de dor. Aposto que essa música estará na trilha de “Yellowjackets“.
“Little Rope” foi o meio de transmissão e início de um processo de amenizar feridas que dificilmente serão curadas, e serve para reafirmar que a dor vira arte.
Ficha Técnica
Sleater-Kinney
Carrie Brownstein – vocals, guitar
Corin Tucker – vocals, guitar
Contribuições musicais
Angie Boylan – drums, percussion
Galen Clark – keyboards, synthesizer
Dave Depper – guitar, keyboards
John Congleton – production, mixing, engineering
Bernie Grundman – mastering
Cole Halvorsen – engineering