Banda de Chicago volta a São Paulo, faz um show esplendoroso e mostra que a maturidade é a chave da felicidade.
Uma banda prestes a completar quarenta anos de estrada. Um público com média de quarenta anos. Quarenta minutos foi o que o público aguentou o Terno Rei no palco. Quarenta são os novos vinte, é o que dizem, e os Smashing Pumpkins nos provaram isso. Show com público garantido, casa cheia, lotação máxima, formação quase completa, Billy Corgan simpático, James Iha como mestre de cerimônias e Jimmy Chamberlin de volta ao país, 28 anos depois, para mostrar por que é um dos melhores bateristas de sua geração.
A banda de Chicago trouxe a São Paulo, 03/11/24, sua mais recente turnê, The World is a Vampire, elogiada mundo afora e que reúne os maiores hits de sua carreira — o nome já faz alusão a um dos principais sucessos da banda — além de músicas dos últimos trabalhos e do excelente novo álbum Aghori Mhori Mei, que marca o retorno dos Smashing Pumpkins à sonoridade rocker dos anos 90 que os consagrou.
Vamos pontuar que esta foi a quinta vez da banda em terras brasileiras. A primeira, no Hollywood Rock de 1996, aconteceu no auge do álbum Mellon Collie and the Infinite Sadness. Depois, em 98, vieram já sem o Jimmy na banda, expulso após uma farra de drogas que causou a morte por overdose do tecladista Johnathan Melvoin. Esse show era da turnê de Adore, álbum soturno, gótico, eletrônico e excelente, gravado com vários bateristas convidados. Quem estava no Olímpia pôde presenciar Billy Corgan dando um baita esporro na baixista D’arcy e ver também o talentoso tecladista Mike Garson, que acompanhou David Bowie por anos.
A banda passou por reformulações e voltou ao Brasil em 2010, no festival Planeta Terra, em um show caótico, com Billy Corgan extremamente antipático e o baterista Mike Byrne, até então um garoto prodígio. Em 2015, retornaram para o Lollapalooza, com uma formação estelar e peculiar. Além de Billy Corgan e Jeff Schroeder (que ficou 20 anos na banda), tinham Brad Wilk (Rage Against the Machine) na bateria e Mark Stoermer (The Killers) no baixo.
Em 2016, Corgan conseguiu trazer Chamberlin e James Iha de volta, e gravaram quatro discos: Shiny and Oh So Bright, Vol. 1 / LP: No Past. No Future. No Sun. (2018), Cyr (2020), Atum: A Rock Opera in Three Acts (2023) — um álbum triplo — e, o mais bem-sucedido deles até aqui, Aghori Mhori Mei (2024). Incorporaram à banda Jack Bates, filho de Peter Hook, no baixo e, mais recentemente, com a saída de Schroeder, trouxeram Kiki Wong na guitarra. Dá pra dizer que a banda encontrou, senão a felicidade plena, a leveza que a maturidade traz.
No show de São Paulo, uma noite esperada por mais de 7000 pessoas que esgotaram os ingressos da apresentação em menos de uma semana, começaram com The Everlasting Gaze, do álbum Machina, e, se dá pra fazer uma crítica ao setlist, é por não explorarem mais algumas outras faixas desse disco. A banda já mostrou de cara que está na melhor forma. Som bem ajustado, músicos competentes e o público em uníssono fazendo a parte vocal gritada a capela da música.
Emendaram com Doomsday Clock, do Zeitgeist, disco feito apenas por Corgan e Chamberlin, bem pesado. Nessa música, dava para sentir toda a verve farofa e competente da guitarrista Kiki Wong e do baixista Jack Bates, que, nesta e em várias músicas, tocava no melhor estilo Peter Hook: todo encurvado e com uma competência avassaladora. Em seguida, fizeram uma versão pesada de Zoo Station, do U2, com direito a solo de bateria de Chamberlin e a uma sambadinha sombria de Corgan.
Depois de mostrarem a que vieram, chegou a hora do arrebatamento. Luzes apagadas e a guitarra dedilhada e inconfundível do hit Today. Todos os indies quarentões vieram abaixo e cantaram a plenos pulmões. Today is the greatest day I’ve ever known (“hoje é o maior dia que já conheci”); nunca uma letra fez tanto sentido.
Vale pontuar que os Smashing Pumpkins têm um público renovado, que sabe muito bem quem é a banda e a importância desses caras para o rock dos anos 90 e para a história da música pesada. O set teve músicas de Atum (3), Aghori (1), Zeitgeist (1), mas a maior parte foram os clássicos, pontos altos da apresentação.
Corgan largou a guitarra e assumiu o papel de frontman desengonçado, do alto de seus dois metros, com uma batina gótica, estilo Nosferatu, feliz, cantando Ava Adore e pedindo para o público entoar o refrão We Must Never Be Apart (“Nunca devemos nos separar”). E não era mesmo o momento.
Sessão lágrimas, parte 1. Tonight, Tonight, talvez o maior hit dos Smashing Pumpkins, foi de tirar o fôlego. Não tinha como ouvir a música e não voltar para os anos 90. Sim, eu sei, sou suspeito para falar, mas foi lindo ver Billy Corgan cantando com vontade e a platéia respondendo. Ele chegou a se emocionar em determinado momento, e o público também. Você notava as pessoas chorando durante a música.
O mesmo aconteceu com Disarm. Outro hit, acústico, mas acompanhado com banda, bem parecido à versão original, transformou o Espaço Unimed em um karaokê indie.
A banda foi descansar e Corgan pegou o violão para fazer seu set acústico. Landslide, cover do Fleetwood Mac, gravada no álbum de 94, Pisces Iscariot, foi outra que levou o público a cantar junto. Em seguida, Shine On, Harvest Moon, uma canção folclórica americana, composta há quase um século por Ruth Etting. Outro ponto de destaque é a voz de Billy Corgan: continua a mesma, única e inconfundível.

Sessão lágrimas, parte 2. Existe início de guitarra mais bonito que Mayonaise? Impressionante a perfeição na execução dessa música, outro hit do Siamese Dream, de 1993, que foi emendada com nada mais nada menos que a marcante e pesada Bullet With Butterfly Wings, cujo refrão dá nome à turnê: The World is a Vampire. E mais uma vez o público foi ao delírio.
Com o jogo ganho, a banda emendou Empires, Perfect (com uma introdução um pouco diferente da original), Sighnommi (ótima faixa do último disco), a noventista á lá filme, Kids, 1979, Jellybelly, a viajante Gossamer e, por fim, a hora do mestre de cerimônia, James Iha, apresentar a banda. Aliás, James Iha é o tímido mais carismático do rock, além de ótimo guitarrista. Com a banda apresentada, encerraram com dois petardos clássicos: Cherub Rock e Zero, cantadas a plenos pulmões.
Mas não acabou. A banda gostou tanto que voltou ao palco para homenagear uma de suas maiores influências: David Bowie, com a canção Ziggy Stardust, cantada por James Iha.
Corgan, visivelmente empolgado, parecia querer roubar a música do colega; em outros tempos, teria feito isso. Nesse dia, não! Ali, Corgan mostrou que a maturidade é uma bênção, e fez valer o que escreveu em Today: Today is the Greatest Day (“Hoje é o melhor dia”). E foi, para ele, para a banda e para todos nós.
Créditos
Show realizado pela Balaclava.
Instagram com fotos da Balaclava Records.