Dirty

Trinta anos de Dirty do Sonic Youth

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O álbum pop do experimental

Dirty, o oitavo álbum do Sonic Youth, lançado em 1992 em um ano repleto de ótimos lançamentos, fez dos nova iorquinos uma banda aberta ao mainstream e conhecida por um público fora do nicho das College Radios e alternativos, coroando e popularizando de vez o rock independente junto com tantos outros artistas da cena americana e europeia, influenciando o mundo inteiro.

O Sonic Youth já havia lançado 07 álbuns, contando com o The Whitey Album sob o nome de Ciccone Youth, com o acréscimo de Mike Watt do Minutemen e J Mascis do Dinosaur Jr. Dirty foi o oitavo e o segundo a ser lançado por uma Major, a Geffen Records, gravadora do Nirvana e do Nevermind. Aliás, foram os integrantes do Sonic Youth que ajeitaram o terreno para Kurt Cobain e companhia assinarem com a gravadora.

Lançado um ano após o estouro do Nevermind, teve o mesmo produtor, Butch Vig, dividindo a produção com a banda junto ao conceituado e requisitado engenheiro de som Andy Wallace (que trabalhou com artistas que vão de Jeff Buckley a Sepultura), onde a partir de algumas audições de Vig, notou-se que dali poderia sair sons com uma pegada mais palatável mantendo todo o lado experimental e noise da banda.

Com 15 músicas escolhidas, mantendo o revezamento de composições e vocais entre os integrantes, a banda vai direto ao ponto nas músicas, salpicando um barulho de guitarra aqui e acolá, dosado talvez pela mão do Butch Vig, mostrando que sim, eles são experimentais, mas que no Dirty, eles também seriam grunges, punks e até Hard Rock em alguns momentos, por exemplo no reef e solos de guitarra da música Purr, uma das melhores do álbum.

A junção perfeita do Pop com estranheza no Sonic Youth tem um ponto de largada do disco com a música 100%. São dois minutos e 28 segundos, algo incomum para os padrões até então da banda, começando com a clássica barulheira de guitarra da banda, indo para um reef repetitivo conduzido pela bateria certeira de Steve Shelley e a voz melódica e descompromissada de Thurston Moore.  Uma música que representa muito bem o que seria o Sonic Youth para sempre nos corações dos alternativos.

100% Sonic Youth

Não vamos esquecer do clipe, que passava muito na MTV e dialogava bem com a juventude da época. Jovens vestidos de flanelas, andando de skate, fazendo festa em casa no melhor estilo americano retratado no filme Kids, contrastando com uma realidade um pouco perturbadora sobre a morte do amigo da banda Joe Cole, recentemente morto a tiros.

Curiosidade sobre o clipe, é que ele foi produzido pelo Spike Jonze, que na época estava trilhando caminhos produzindo clipes de quase todas as bandas dos anos 90, como Weezer, Breeders, REM e ficando de fato famoso com os filmes Quero Ser John Malkovich, Onde Moram os Monstros, e Her (ELA). Outra curiosidade é que um dos atores principais do clipe de 100% é Jason Lee, que foi na época um Skatista profissional bem conhecido, virando ator atuando em filmes como Vanilla Sky, Quase Famosos (Vocalista do StillWater) e o mais conhecido de todos, o papel de Dave em Alvin e os Esquilos.

Voltando ao disco, Kim Gordon ficou a cargo de 07 vocais no Dirty. Começa poderosa com Swimsuit Issue, um proto punk com a cara da banda, indo pra Drunken Butterfly, num maravilhoso trabalho dos guitarristas Moore e Ranaldo, deixando a Kim soar com seu vocal rouco, desleixado e sexy, marca registrada inclusive. Emenda com uma “balada” se é que isso existe para o Sonic Youth com a música Shoot.

Sonic Youth – Drunken Butterfly

Orange Rolls, Angel’s Spit, On the Strip, JC (em homenagem a Joe Cole) e Crème Brûlée afirma o que eu só fui descobrir depois de ler a biografia da Kim Gordon (no livro A Garota da Banda), que ela era a veia experimental do Sonic Youth, além de ser uma ótima baixista. Há várias linhas de baixo marcantes no disco, além de algumas guitarras gravadas por ela.

Lee Ranaldo canta a Wish Fulfillment, e assim como em todos os discos do Sonic Youth, mostra o lado Pablo Picasso de Ranaldo na banda. Um guitarrista peculiar, com vocal idem, sempre dando pinceladas estratégicas em todas as músicas. Um artista genial em estado puro.

As outras 07 músicas do disco ficam a cargo de Moore, responsável pela parte melódica do Sonic. Se você pegar a carreira solo dele hoje, vai entender perfeitamente que ele sempre foi o cara voltado para o pop, ou para as linhas mais “normais” do rock. As três músicas (100%, Sugar Kane, e Youth Against Fascism) mais veiculadas em rádios e MTV vieram de suas interpretações. Purr e Chapel Hill são outras também com melodias mais fáceis, e tão boas quanto as demais.

Sonic Youth – Youth Against Fascism

A segunda curiosidade desse disco, são as participações dos irmãos Mackaye. Primeiro com a maravilhosa e na minha opinião, a melhor música do disco, Youth Against Fascism. Nela Ian Mackaye, do Fugazi, toca guitarra. Depois tem a cover da banda do irmão de Ian, a música Nic Fit, cover dos Untouchables, de Alec Mackaye.

Nic Fit por Sonic Youth

A terceira curiosidade fica para edição Deluxe de Dirty. Músicas tão boas quanto as que saíram no disco. Stalker podia ser facilmente um single da banda. Tem Genetic de Lee Ranaldo, e que gerou discórdia na época, onde ele quase saiu da banda, por não incluírem no disco final, além de Hendrix Necro na voz de Kim. Há também uma versão matadora de Personality Crisis, dos New York Dolls, cantada na voz de Kim em uma versão acústica. Fora versões alternativas de ensaios para o disco.

Dirty Deluxe
Dirty Deluxe

“Fiz um som meio Sonic Youth”

Com o boom do rock alternativo em todo o mundo, e claro no Brasil, várias bandas foram surgindo. Clipes do Dirty rodavam na MTV brasileira, e foram influências para várias bandas do cenário “alternativo”.

O estilo de som, às vezes inclassificável em 92 para nossos padrões, uma mistura de punk, pós punk, noise, avant-garde, e nos EUA conhecidos como no wave, fez surgir no Brasil a frase, “minha banda é meio Sonic Youth”, ou se fizesse um som com microfonia e barulhos de guitarra, “fizemos um som meio Sonic Youth”.

Eu participei dessa época, tive banda, citei e ouvi de outras bandas, essas frases por diversas vezes. De qualquer forma, muito disso ocorreu pelo impacto e pelo alcance que o Dirty teve com públicos além dos alternativos.

Dirty, livro e o finado DVD com todos os clips da banda

Perguntei para três pessoas que viveram a época do Dirty, o impacto que o disco teve em suas vidas, impacto na cena, como chegou até eles e suas músicas preferidas.

Rafael Zimath, guitarra e vocal do Somaa, banda de Joinville, que está para lançar seu segundo disco e que inclusive estão com uma campanha no Catarse

Rafael e o Somaa

Eu estava lá em tempo real, abrindo essa “caixa de pandora” que revelou ao mundo todo tipo de banda ou música mais underground, alternativa, esquisita, certamente muito por conta do fenômeno mundial que foi o Nirvana, uma banda inclusive apadrinhada pelo Sonic Youth e que revelou essa estética mais “art” da música independente.

“Dirty” foi o primeiro disco que eu ouvi dos caras, então para mim foi a porta de entrada para o mundo do Sonic Youth. Logo de início entendi que não se tratava de uma banda novata (“Dirty” é o  7º disco dos caras) e que este álbum seria um dos mais palatáveis, talvez mais acessíveis do Sonic Youth até aquele ponto da carreira deles (talvez, até seja, seja o disco mais acessível de toda a discografia). Pessoalmente, conhecer o disco/banda foi bastante pedagógico por me mostrar alguns conceitos musicais mais sofisticados e que não são encontrados com facilidade na música pop ou no rock baseado no blues (clássico, hard rock ou metal) como dissonância, atonalidade etc. Sem o necessário contexto, tem muita gente que acha absurda este tipo de proposta, “só barulho”. Nesse sentido, nas últimas 4 décadas, talvez o Sonic Youth seja o grande representante por educar muitas pessoas acerca desses conceitos.

Eu gosto de tudo! Acho tudo perfeito. Os vídeos do Sonic Youth que rodavam na MTV foram muito marcantes para minha geração, a estética dos músicos totalmente realista e sem os clichês do showbusiness ou rockstars e, é claro, as músicas do disco!

É sempre difícil escolher apenas 3 músicas de um disco super importante e que você curte muito, já que com certeza algumas coisas ficarão de fora.

Mas eu sou aquele fã do Sonic Youth que gosta inclusive do lado mais “pop” (e haja aspas aqui) da banda. Claro, que eu também curto o lado mais introspectivo, “art” e experimental. Mas eu não sou partidário da noção de que o lado mais acessível, com canções de estrutura mais convencional e melodias mais marcantes representam “menos” do que é a banda por supostamente serem mais “comerciais” e, portanto, de menor valor artístico. Eu não faço parte desse pensamento.

Dito isso, uma música que não é apenas um clássico do SY, mas também um hino dos anos 90 é “Sugar Kane”. Que música! O arranjo das guitarras naquela introdução é absurdo, cheio de detalhes intrincados! Além da melodia na voz do Thurston, refrão, clipe, tudo.

Sonic Youth – Sugar Kane

Outro som que eu acho foda do disco é “Shoot”, na voz de Kim Gordon. Ela tem esse lance meio denso, perturbado e até sexy no jeito de cantar. É um som que também tem aquela levada mais mansa e introspectiva da banda que também representa demais.

“Youth Against fascism” é outro petardo. Além da letra continuar sendo super atual, a faixa conta com a participação de Ian Mackaye do Fugazi (um dos meus maiores ídolos) na guitarra.

Menções honrosas: o videoclipe de “100%” é muito, muito emblemático também da época (dirigido por Spike Jonze), em mais um dos exemplos fodões de como relacionar a música alternativa/urbana com o skate.

Elvis H Martuchelli, de Itaquera, São Paulo. Web designer, rockista dos anos 90, participou de várias bandas “meio Sonic Youth”

Elvis, rockista da ZL

Não sei dizer ao certo, foi via o clipe de 100% na MTV Brasil, não lembro o ano exatamente que ele começou a ser veiculado aqui.

Me impactou muito, pois tudo que define o Sonic Youth tem neste disco, o que hoje, depois de muito tempo, entendo ser a personalidade de cada um deles… as experimentações “anti-música” da Kim Gordon (Drunken Butterfly), a “sofisticação artística” do Lee Ranaldo (Wish Fulfillment), as bases “melódicas-pop” na medida certa do Thurston Moore (Sugar Kane) e o Steve Shelley sendo “a cola” que une isso tudo.

Dirty me ensinou a ouvir e gostar de rock “torto”, experimental, expressivo e artístico. Até hoje não entendo como a Geffen ficou tantos anos com eles em seu cast…  hehehe… acredito que eles deveriam ser uma “reserva” artística da gravadora, sem tanta preocupação com vendas. 

Depois do Dirty, fui atrás de mais discos do Sonic Youth e de bandas que traziam consigo o mesmo espírito criativo/rebelde como o Fugazi e o The Ex. 

Sem dúvida as músicas, eram o principal impacto para minha geração, os clipes eram uma nova forma de empacotar a música que chegava na gente. A estética também era legal, até hoje tento me vestir como um dos figurantes de 100%! Hehhehe.

A capa no cd é ruim, no vinil é muito mais legal! Eu peguei o vinil do Dirty apenas uma vez na minha vida, na casa de alguém que também não lembro. É um ótimo exemplo do porquê as artes gráficas do vinil são melhores.

Com dor no coração cito apenas estas 3, deixando várias de fora;

100%, Youth Against Facism e Nic Fit (é cover, mas eu tava na pegada de sons rápidos naquela época, ouvi pra caraca essa faixa).

Anderson Tilly, vocal e guitarra do Hematocele Funesto e Silent Party, bandas dos anos 90 de Santo André – SP

Anderson – Hematocele e Silent Party

Tinha um lugar em Santo André chamado Front 575. Era um bar/danceteria onde só rolava rock alternativo. Comecei a ir lá em 1991/1992 e peguei bem essa época do grunge e das bandas com guitarras ensurdecedoras. Era lá que a gente ouvia pela primeira vez muitas coisas, então provavelmente foi lá que eu ouvi pela primeira vez a 100% e a Sugar Kane que rolavam direto lá, no último volume, numa sala apertada com todo mundo agitando colado e se empurrando. Acredito que tinha sido lançado recentemente pois me lembro de ouvir lá em 1992 ou início de 1993 mesmo, quando eu até já tinha banda.

Eu já sonhava em ter uma banda há algum tempo, mas essas bandas e esses discos lançados em 1991 e 1992 fizeram a gente acreditar que era possível ter banda e essa foi a maior influência. Tanto que começamos com o Hematocele Funesto em agosto de 1992. Claro que a gente sempre quis fazer um som com esse tipo de pegada, essa guitarreira distorções, dissonâncias, mas não tinha conhecimento e nem os pedais e instrumentos pra fazer, então só fazia barulho mesmo. E as músicas que a gente conseguia fazer ficavam mais na linha dos Ramones. Só mais para a frente em 98, por aí, começamos a arriscar algumas coisas na linha do Sonic Youth.

As músicas que mais me tocaram foram as já citadas 100% e Sugar Kane. São as mais conhecidas, mas era difícil conseguir o álbum naquela época e conhecer todos os sons… eu tinha músicas dele gravadas em K7 somente. E o contato era bastante com os clipes, que passavam direto na MTV…. o que eu mais gostava era o da 100%. Acho que a Drunken Butterfly ouvi primeiro com o clipe.

Realmente é um grande álbum, muito bem gravado e produzido e que pegou a banda naquela época mágica, com os caras criando muito e com qualidade, desde o álbum anterior, Goo, e depois com o Experimental Jet Set. Realmente foi uma época maravilhosa.

Anos depois tivemos a felicidade de participar de um álbum tributo ao Sonic Youth, já com minha outra banda, o The Silent Party, e gravamos Dirty Boots. Foi uma forma de homenagear essa banda que nos influenciou muito.

Ficha Técnica do álbum

Dirty – Sonic Youth

Lançamento – 21 Julho 1992

Gravadora – Geffen Records

Thurston Moore – vocais, guitarra, produção , mixagem (faixa 10)
Kim Gordon – baixo, vocais, guitarra, produção, mixagem (faixa 10)
Lee Ranaldo – guitarra, vocais, produção, mixagem (faixa 10)
Steve Shelley – bateria, produção, mixagem (faixa 10)
Ian MacKaye – guitarra (faixa 9)

Técnico

Butch Vig – produção, engenharia, mixagem (faixa 15)
Andy Wallace – mixagem (todas as faixas, exceto 10 e 15)
Edward Douglas – engenharia
Fred Kevorkian – assistência de engenharia
John Siket – assistência de mixagem
Peter Beckerman – assistência de mixagem
Howie Weinberg – masterização
Mike Kelley – arte da capa
Kevin Reagan – direção da capa
Richard Kern – fotografia da capa

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