Da utopia do Paz e Amor, à realidade do caos.
Woodstock está no imaginário de muitas pessoas como símbolo da geração do lema paz e amor, e se perpetuou por longos 30 anos, até que na hora de tornar-se um trintão, a realidade se apresentou na forma mais dura e realista.
O festival em 69 foi um sucesso nos ideais “revolucionários”, o de 94, (isso mesmo, 1994 ocorreu a segunda edição comemorativa de 25 anos), foi o da reverência a nomes clássicos (Bod Dylan, Crosby, Stills & Nash, Aerosmith) e afirmação de uma nova safra (Metallica, Green Day, Nine Inch Nails), porém ambos tinham uma coisa em comum. O fracasso financeiro!
Perto de completar três décadas, alguns promotores conhecidos do mercado de shows, junto com o idealizador Michael Lang, pensaram. Porque não comemorar 30 anos em grande estilo, mas agora para valer $$$?

A Netflix disponibilizou em seu catálogo nacional, o documentário Woodstock 99 – Desastre total. A série foi separada em três episódios, uma para cada dia do festival, e vai relatando desde a organização, os shows, a euforia do público, as bandas e as principais situações que ocorreram durante os três dias de eventos. Logo no início, em uma cena no dia seguinte ao último show, a fotógrafa do evento se assusta com o cenário pós-guerra, comparando a Bósnia.
O caos da ganância corporativa com a alienação juvenil, resulta em Woodstock 99
Fica claro alguns erros na produção que levariam ao desfecho que marcou esse Woodstock.
Primeiro foi a escolha do local, um antigo hangar e pista de aviões do exército americano, na cidade de Rome, nos arredores de Nova York, onde o asfalto era o personagem principal e o sol tornando-se um dos coadjuvantes.
Depois o modo como foi montado o line-up das bandas, dando ênfase as principais sensações do momento, que eram as bandas de New Metal, como Korn, Limp Bizkit, Kid Rock, Creed, Rage Against the Machine e tantas outras, que com certeza atrairia um público predominantemente de homens. As bandas de mulheres que fizeram parte do evento sofreram nas mãos do público masculino. Sheryl Crow, Alanis e Jewel ouviam ofensas machistas e sexistas durante as apresentações.

Teve também os preços exorbitantes dos alimentos e da água, que começou sendo cobrado a 4$ e terminou a 12$. Para fechar, o corte de gastos com infra e contratação dos profissionais que iriam suportar o evento, como segurança, limpeza, profissionais da saúde e as empresas que forneciam os alimentos. Quando o lucro se afastava do esperado, a infra era a primeira a sofrer os cortes.
Tudo isso resultou no que viria a ocorrer durante os três dias. Público sendo maltratados com situações precárias de limpeza e higiene, o fácil acesso a bebidas alcoólicas e a comercialização de drogas, a predominância de homens, que vieram causar diversos relatos de desrespeito e abusos sexuais as mulheres que estavam no público, culminando em 04 denúncias de estupros, e a utopia dos organizadores que acreditavam que este evento poderia representar os mesmos ideais de 69.
No último dia, Michael Lang teve a brilhante ideia de entregar uma vela e fósforo ao público, pedindo que acendessem na música Under The Bridge dos RHCP, e que segundo ele, seria o momento sublime do evento. De fato, foi até acabar a música, pois o que veio a seguir foi um cenário que só vemos em filmes de caos e terror.
Todos esses acontecimentos são narrados pelas pessoas que participaram da organização do show, passando pelo depoimento do estagiário que levanta a mão para questionar a escolha do cast de bandas, os relatos dos seguranças e responsáveis da saúde mostrando o amadorismo na contratação dos profissionais e o desespero com tantos casos que ocorreram nos shows, funcionários da organização que vão da euforia ao desespero, e os depoimentos de alguns artistas de destaque, como Jonathan Davis do Korn, Fred Durst do Limp Bizkit, afirmando que foram shows inesquecíveis pelo tamanho e “sentimento” do público.

Há também relatos importantes de jornalistas que cobriam o evento, de três pessoas que foram aos shows, descrevendo os perrengue que passaram, mas que não se arrependem de terem ido, e a fala dos três organizadores do evento que sempre tentavam mascarar o sucesso do festival e apontar culpados com o caos que ocorriam, por exemplo de insinuar que Fred Durst incitou o caos.
“Não se pode culpar um urso por ele ser quem é. Fala de um dos organizadores isentando Fred Durst”

Woodstock 99 virou um case de erros a não serem repetidos por empresas promotoras dos principais eventos mundo afora, massificando ainda mais os festivais, onde quase todos são iguais, porém com altos níveis de segurança e lucros exorbitantes, onde a música é só um detalhe.
Um ponto para depoimentos de todos os principais personagens, que não se esconderam em passar os pontos de vista, concordando ou não. Claro que devem ter recebido muito bem para se exporem dessa forma, mas não se vê muito isso em documentários nacionais.
Vale a pena assistir para entender o cenário musical e comportamental da época, e o que veio a se tornar a música nos dias de hoje.
Ficha Técnica.
- Título Original: Trainwreck: Woodstock ’99
- Duração: 143 minutos
- Ano produção: 2021
- Estreia: 03 de agosto de 2022
- Distribuidora: Netflix
- Dirigido por: Jamie Crawford