Por Eduardo Gums
O ano é 1937. J.J. “Jake” Gittes (Jack Nicholson) é um ex-policial que se tornou detetive particular. Certo dia, uma mulher que afirma ser esposa de Hollis Mulwray (Darrell Zwerling), chefe engenheiro do Departamento de Água e Energia, entra em seu escritório em Los Angeles. A esposa em questão é Evelyn Mulwray, interpretada por, Faye Dunaway, pede que Gittes investigue se Hollis está tendo um caso. Conforme Gittes avança em sua investigação, descobre uma conspiração envolvendo o abastecimento de água da cidade. Após o assassinato de Hollis, o detetive contará com a ajuda da verdadeira esposa do falecido engenheiro para desvendar o que está acontecendo.
Essa é a sinopse geral de Chinatown, filme de 1974 dirigido por Roman Polanski e escrito por Robert Towne. O longa é um exemplo de neo-noir, uma releitura moderna do subgênero policial popularizado a partir dos anos 1940. O neo-noir teve seus primeiros exemplares nos anos 1960. Algumas características incluem o uso de sombras, personagens frequentemente fumando e a representação de mulheres como damas fatais. Chinatown utiliza muitas das convenções desse gênero, ao mesmo tempo que subverte outras.

Um dos pontos que chama atenção é como a cinematografia de John A. Alonzo consegue evocar as convenções de um gênero com mais de oitenta anos. Mesmo nas cenas diurnas, há um uso expressivo de sombras, que frequentemente cobrem os rostos dos personagens em momentos cruciais.
Por se passar nos anos 1930, destaca-se o trabalho do departamento de figurino, liderado por Anthea Sylbert, que veste os personagens de forma convincente. Desde os ternos usados pelo personagem de Nicholson até as cenas na casa do cruel Noah Cross (John Huston), Sylbert conseguiu criar figurinos que ajudam a ambientar o espectador nessa história de época. A decoração dos sets, comandada por Ruby Levitt, também é extremamente competente. Desde os telefones até o quadro de Franklin D. Roosevelt em uma parede, todos os detalhes estão no lugar certo.

Tudo isso só é possível porque o roteiro de Robert Towne é muito bem construído. Além de contar uma história envolvente, ele também desconstrói o gênero no qual está inserido. Dois dos arquétipos mais subvertidos são o do detetive e o da mulher fatal.
O detetive infalível, amplamente consagrado por personagens interpretados por Humphrey Bogart, ganha aqui um retrato mais “vida real”. Muitas das características clássicas estão presentes, mas com uma abordagem diferente. O passado misterioso e o envolvimento com uma mulher perigosa permanecem como elementos centrais, mas são explorados de forma mais crua. O personagem de Nicholson comete erros que acabam levando a um final que não oferece recompensas ao espectador.
Quanto ao retrato da femme fatale, embora Evelyn Mulwray comece e passe boa parte do filme como uma personagem tradicional do gênero, ao descobrir que seu pai, Noah Cross, pode estar envolvido na morte do marido, ela ganha novas camadas e termina a história não como uma cúmplice do vilão, mas como uma vítima dele. Seu trágico desfecho contribui para transformar a narrativa pensada por Towne em uma verdadeira tragédia — um formato amplamente explorado pelo cinema hollywoodiano dos anos 1970.
O cinema norte-americano, entre o final dos anos 1960 e o início dos anos 1980, passava por um período de mudança. Após anos competindo com a televisão, o modelo de estúdios que funcionara por décadas havia entrado em declínio. Isso abriu espaço para diretores formados e conhecedores da sétima arte, como Francis Ford Coppola, Steven Spielberg, Brian De Palma e Martin Scorsese, que antes eram fãs e estudiosos do cinema.
Entre esses cineastas, Roman Polanski já havia alcançado sucesso com filmes como Repulsa ao Sexo (1965) e O Bebê de Rosemary (1968). Em Chinatown, o diretor traz novamente a figura feminina atormentada, como em seus dois sucessos anteriores, estabelecendo um paralelo entre Evelyn e personagens como Rosemary, do filme de 1968.

Chinatown foi bem recebido desde seu lançamento. Em 1989, Robert Towne escreveu uma sequência, A Chave do Enigma, dirigida pelo próprio Jack Nicholson e lançada em 1990. No entanto, o filme foi um fracasso de público. Towne, que planejava uma trilogia sobre a história de Los Angeles, revelou que o terceiro filme se passaria em 1968, mas o fracasso do segundo capítulo enterrou os planos para o encerramento da história.
Em 2019, David Fincher (Zodíaco) anunciou a produção de um prelúdio em formato de série, com a colaboração de Towne. No entanto, a série ainda não tem novidades. Robert Towne faleceu em 2024. Em 2020, foi anunciado um filme dirigido por Ben Affleck sobre os bastidores de Chinatown, reforçando a influência e o legado do filme cinquenta anos após seu lançamento.
Ficha Técnica:
Filme: Chinatown (Eua, 1974)
Elenco: Jack Nicholson, Faye Dunaway, John Huston, Perry Lopez, John Hillerman, Darren
Zwerling, Diane Ladd, Belinda Palmer.
Direção: Roman Polanski
Roteiro: Robert Towne
Duração: 130 Minutos
Distribuição: Paramount Pictures
Disponível em: Aluguel.